Tapada da Tojeira [Investigação] 2020, 2019
SONS
Conversa com o pescador António Pinto
Sapos parteiros na antiga aldeia dos Alares
Improvisação com corvos marinhos
Eco do Álvaro no leito seco do rio Sever
Caminhar sobre o Conhal do Arneiro
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Tapada da Tojeira
Vila Velha de Ródão
09 Out 2019—23 Out 2019

 
 
Esta foi a nossa primeira residência na Tapada da Tojeira e ficou marcada pelas visões apocaliptícas dos rios Pônsul, Sever e Ribeira da Fonte Santa quase inteiramente secos.

2019 foi um ano em que choveu pouco e Espanha resolveu reter a água pelo período que lhes foi mais conveniente, gerando múltiplos protestos da ProTejo – Movimento pelo Tejo, que propuseram (e estão ainda a propor) uma nova Convenção de Albufeira com um regime da caudal mais regular, que seja também benéfico para os ecossistemas.

Destacamos a caminhada que fizemos junto ao Rio Sever (trilho do Moinho Branco – PR8 e trilho Entre Azenhas – PR7) que fizemos com o Arlindo Consolado Marques, conhecido como o “Guardião do Tejo” e que nos colocou a par dos impactos das indústrias e de despejos ilegais. Ao caminharmos no leito deste rio, recordamos a visão encantatória das antigas azenhas de xisto, que não eram avistadas desde os anos 50.

Foi também nesta residência que conhecemos o incrível António Pinto, pescador que chegou a viver numa ilha a meio do Tejo, quando este ainda era livre de barragens a jusante. Partilhamos aqui uma gravação do António, que nos fala do seu tio que era Guarda Rios e do seu pai que era pescador.

Bosque mediterrânico


A paisagem das margens do Tejo Internacional e dos seus afluentes é marcada pelos olivais e pelos montados de azinho e sobro. As árvores que os compõem (oliveiras, azinheiras e sobreiros), plantadas por mão humana devido à sua utilidade e interesse económico, são comuns a outros ecossistemas mediterrânicos e estão particularmente bem adaptadas ao clima e aos solos pobres desta região. As plantações tradicionais são em geral biodiversas, pois albergam variadas outras espécies de plantas e animais – ao contrário das plantações intensivas monoculturais, que também aqui começam a surgir (por ex., ao longo da estrada entre Ladoeiro e Zebreira). Em zonas não florestadas, esta mesma região conserva vestígios de bosques e matagais mediterrânicos, constituídos por uma variedade considerável de espécies, que exibem uma notável diversidade de estratégias de adaptação (por ex., na retenção de água) e de formas de floração e frutificação.

Muitas destas espécies têm aliás tendência a reocupar olivais e montados abandonados. Encontrámos alguns bons exemplos junto às Portas de Ródão (encosta da Achada, na margem Norte do Tejo, e Conhal do Arneiro, na margem Sul), junto ao Rio Sever (Trilho do Moinho Branco, a partir de Montalvão), junto ao rio Ponsul (perto da Ponte da Munheca), nas encostas do rio Erges (Rota dos Abutres, Salvaterra do Extremo) ou junto à ribeira da Fonte Santa (na zona sul da Rota dos Veados, Rosmaninhal). Das plantas comuns a estes locais, destacamos o zambujeiro (forma silvestre da oliveira), a aroeira, o medronheiro, o pilriteiro, o aderno-de-folha-larga, a murta, a roseira-brava (todas estas se encontravam em frutificação nesta altura do ano), o rosmaninho, as urzes, várias cistácias (estêva, roselha-maior, saganho) e, junto ao leito dos rios, os freixos e os salgueiros. Com localização mais restrita, encontrámos o zimbro (na margem norte das Portas de Ródão), o terebinto ou cornalheira (na encosta oeste do Rio Sever), e o lódão-bastardo e o tamujo (nas margens do rio Erges).

Pedra sobre pedra


Para chegar às margens dos rios e ribeiras que queríamos conhecer, percorremos diversos caminhos e trilhos onde nos deparámos com uma extraordinária diversidade de muros construídos em pedra, tanto no tipo de material usado (xisto, quartzito, granito, etc.), como no modo como a pedra foi disposta ou empilhada. A criatividade e engenho com que as pessoas foram usando os materiais disponíveis no território ao longo dos tempos são mais uma clara demonstração da pertinência e do valor do conhecimento vernáculo. A qualidade estética daquelas estruturas constitui um motivo adicional para a sua valorização e conservação, além de constituírem uma notável marca identitária. Um bom exemplo são os muros de placas de xisto dispostas verticalmente, lado a lado, que ainda são visíveis a delimitar alguns terrenos em volta de Perais e Monte Fidalgo. Um outro exemplo bem mais sofisticado e robusto é o dos chamados ‘muros de sirga’ que ladeavam as margens do rio Tejo e que foram usados para permitir a tracção de embarcações a partir das margens, desde a época medieval até meados do século XIX. Encontrámos uma porção razoavelmente conservada a jusante da barragem do Fratel.

Azeite e água


São o exemplo clássico de líquidos imiscíveis. No entanto, na região de Vila Velha de Ródão, o azeite e a água têm uma relação muito estreita, ligada também ao rio Tejo. Aqui a produção de azeite foi sempre uma actividade económica de grande importância – o azeite já foi designado como ‘ouro do Tejo’ – e basta olhar a paisagem com os seus belos olivais, que se estendem por vezes até às margens do rio, para o comprovar. Curiosamente, em muitos desses olivais é comum encontrar grandes quantidades de calhaus rolados que faziam parte do leito de um mar ancestral que cobria esta região. Por outro lado, alguns dos lagares de azeite tradicionais, outrora mais numerosos, usavam a força da corrente das ribeiras, através de uma azenha, para accionar as galgas em pedra que esmagam a azeitona. O rio Tejo serviu também durante muitos anos como via de transporte do azeite produzido na região através de embarcações que desciam o rio até à capital. No processo de extracção do azeite, a água que fazia parte da polpa da azeitona – de intensa côr vermelha escura no caso da azeitona preta – vai sendo separada do precioso líquido, que vai adquirindo progressivamente a sua textura e côr final. Foi junto ao antigo lagar de varas, agora museu municipal, na margem da ribeira do Enxarrique, que avistámos o esquivo Guarda-Rios que fez uma aparição fugaz, deixando atrás de si um rasto azul intenso e o seu trinado rápido.

Não é um rio, é uma albufeira!


O nosso primeiro encontro com o Tejo aconteceu logo no primeiro dia da residência junto ao cais de Vila Velha de Ródão e à Foz do Enxarrique. A tarde quente e serena revelou-nos um espelho de água rematado pelo perfil das Portas de Ródão. A aparente tranquilidade da paisagem escondia uma evidência que quase nos passava despercebida e que nos foi transmitida dias mais tarde pelo senhor António Pinto, membro de uma família de pescadores do Tejo: o que tínhamos pela frente era na verdade uma albufeira e não um rio de águas correntes. De facto, a água do Tejo já não flui livremente desde meados dos anos 1970 pelo leito atravessado por camadas de xisto e de quartzito, mas vai-se acumulando a montante da barragem do Fratel. Foi toda uma paisagem e ecossistemas associados que mudaram, assim como as diferentes actividades ligadas ao rio (pesca, transporte de alimentos e outros bens). Não deixa de ser irónico que o rio que durante centenas de milhares de anos cavou a fenda que acabou por gerar as Portas Ródão, que fazem parte da rede de Geoparques da UNESCO, foi travado por mão humana em poucas décadas, gerando transformações cujas consequências se vão agora tornando mais evidentes.

O rio enquanto metáfora


Uma das memórias gratas da nossa estadia em Vila Velha de Ródão foi a sessão sobre ‘Poesia e Rios’ promovida pela Alma Azul, em colaboração com o Guarda-Rios e integrada na celebração dos 30 anos do CENTA/Tojeira. A dinamizadora da sessão foi a Elsa Ligeiro da Alma Azul que selecionou poemas e textos sobre a temática dos rios e as metáforas que suscitam. Numa tarde luminosa de Domingo, à beira-Tejo (Foz do Enxarrique, Vila Velha de Ródão), juntou-se um grupo de cerca de 12 pessoas para uma conversa informal a partir das leituras propostas pela Elsa. Leu-se Alberto Caeiro, Alexandre O’Neil, Jorge Sousa Braga. Eu selecionei o poema ‘albufeira’ de Ruy Ventura, retirado de um livro que reúne textos e fotografias resultantes de uma residência artística em Penamacor (2002) promovida pela Alma Azul – livro que foi oferecido pela Elsa ao Guarda-Rios. Transcrevo um excerto do final do poema XX do ‘Guardador de Rebanhos’ (‘O Tejo é mais belo que o rio que corre na minha aldeia’) de Alberto Caeiro: “O rio da minha aldeia não faz pensar em nada / Quem está ao pé dele está só ao pé dele.” E como não podia deixar de ser, o curto poema de Jorge Sousa Braga intitulado ‘O guarda-rios’: “É tão difícil guardar um rio / quando ele corre / dentro de nós”. Um abraço de gratidão à Elsa pela sua generosidade e entusiasmo contagiante.

Cedillo


Depois de uma semana junto às margens do Tejo entre as Portas de Ródão e a sua entrada definitiva em território espanhol, uma das imagens mais fortes que retenho resulta da situação de seca excepcional que se verifica na zona a montante da barragem de Cedillo, onde o Tejo traça a fronteira com Espanha.

Esta situação foi intensificada por descargas inéditas ocorridas no início de Setembro, as quais levaram à exposição de extensas áreas da foz dos rios Sever e Pônsul ou da ribeira da Fonte Santa (na foto), habitualmente inundadas pela albufeira de Cedillo. As paisagens quase monocromáticas com que nos deparámos naquelas zonas sugeriam ora visões pós-apocalípticas, ora cenários lunares. Não me conseguirei esquecer tão cedo da experiência de caminhar no leito seco destas albufeiras, onde me senti um figurante involuntário de um sonho hiper-realista.

Um sonho de dominação do leito dum rio que se converte, por via do engenho e vontade humanas, em albufeira mas que, em consequência desse mesmo engenho e vontade, deixa de o ser. Perante aqueles cenários desoladores vislumbrei ainda assim uma réstia de esperança: será ainda possível recuperar aquelas margens e fazer regressar aqueles cursos de água ao seu estado anterior à construção das barragens?

ATIVIDADES:
 
 
[ workshop ]
Chamar os pássaros
Dinamizado por Francisco Pinheiro
Público: Família e crianças
 
[ caminhada ]
Mediterrâneo em Ródão
Dinamizada por Álvaro Fonseca e Graça Passos (Tapada da Tojeira)
Público: Jovens e adultos
 
[ conversas ]
Poesia e Rios
Em colaboração com Elsa Ligeiro (Alma Azul)
Cais de Vila Velha de Ródão
Público: Jovens e adultos

REGISTO:
 
 
Máquina foto Nikon CoolPix P100
Camera Sony RX100 V
Gravador Zoom H2N