O que vocês estão a ver, não é o que eu estou a ver

O que vemos e sentimos quando olhamos demoradamente uma paisagem? Que factores condicionam esse exercício e como nos deixamos afectar por ele? Como vamos tecendo a relação com o território e assim construindo a nossa visão sobre ele? Tal como noutras experiências que envolvem os sentidos, o que percepcionamos depende do modo como nos inserimos nessa paisagem – no espaço, mas também no tempo. Desde Outubro de 2019 realizámos residências em diversas regiões ribeirinhas de algumas bacias hidrográficas nacionais: Tejo, Douro, Oeste, Guadiana. Numa tarde da primeira residência na região do Tejo Internacional, após uma caminhada ao longo do rio Sever (afluente do Tejo), encetámos conversa com um habitante da aldeia de Montalvão que perscrutava a paisagem através de binóculos. Perguntou-nos o que víamos quando olhávamos os campos em volta. Após algumas tentativas de resposta da nossa parte, ele devolveu-nos a frase que usámos para título deste ‘post’. Essa mesma frase veio a tornar-se um lema do próprio projecto e acabámos por adoptá-la para algumas das actividades de partilha das nossas experiências. De facto, a frase condensa a abordagem que temos usado nas nossas incursões no território, pois incorpora o lado pessoal e contextual da leitura que cada um faz do processo, mas invoca também a possibilidade de construção intersubjectiva através da partilha e cruzamento das diferentes leituras. Tal como o território vai evoluindo e sendo transformado pelas acções naturais e humanas, também a nossa visão desse mesmo território vai sendo moldada e enriquecida pelas nossas interacções e vivências com os lugares e as pessoas, que, por sua vez, nos dão acesso às suas diferentes dimensões: biofísica, ecológica, antropológica, estética, emocional. Ao olhar demoradamente uma paisagem, aquilo que os olhos vêem é afinal apenas uma parte dum todo multidimensional e complexo, que não poderá nunca ser reduzido a uma única leitura factual e consensual. O que cada um vê não é (necessariamente) o que os outros vêem – mas nessa aparente limitação reside também um enorme potencial e riqueza.
Álvaro

Nadadouro (Lagoa de Óbidos), Fevereiro 2020
Albufeira do Alqueva: local da antiga aldeia da Luz (Guadiana), Outubro 2020

Foto de destaque: Montalvão (Tejo), Outubro 2019

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