Encontro com a paisagem alagada do Alqueva

A recente residência Guarda-Rios na Aldeia da Luz, junto ao Guadiana (Outubro de 2020), foi mais uma confrontação com um rio convertido em albufeira – desta vez a mega-albufeira gerada pela barragem de Alqueva, por sinal a mais extensa em território nacional (250 km2), com uma área submersa em Portugal de mais de 20.000 ha. O projecto do Alqueva (designado pela sigla EFMA – Empreendimento de Fins Múltiplos do Alqueva) não é uma mera barragem para armazenamento de água e produção eléctrica – é todo um sonho visionário de desenvolvimento regional para o Baixo Alentejo, que nasceu no final dos anos 50, mas só teve ‘luz verde’ na década de 90 e concretizou-se já no início do séc. XXI (as comportas fecharam em 2002). As principais forças motrizes do almejado desenvolvimento seriam a agricultura de regadio e o turismo, já que a produção eléctrica não é significativa à escala nacional, sendo parte da energia gerada consumida no bombeamento de água para o extenso sistema de canais de irrigação (com origem na Estação Elevatória dos Álamos e na barragem de Pedrógão, a jusante do Alqueva). Regularizar o caudal do rio Guadiana e assegurar uma reserva estratégica de água do lado português (a Espanha retém ou desvia grande parte do seu caudal) eram outros objectivos declarados do projecto. No entanto, daqueles vários desideratos, o que está mais próximo de se concretizar é a transformação da prática agrícola na região alentejana circundante: do montado e culturas tradicionais de sequeiro para as monoculturas de regadio, em particular com a expansão nos últimos anos dos olivais e amendoais intensivos e superintensivos (mais de 100.000 ha). Os canais de rega com origem no Alqueva estão a retirar água para as barragens da região de Beja e para as da bacia hidrográfica do Sado, sendo que após um aumento gradual da cota da albufeira desde o fecho das comportas, se verifica este ano o nível mais baixo desde 2004*. Pudemos constatar isso mesmo debaixo da ponte sobre a albufeira (estrada de Reguengos à chegada a Mourão), sendo notórias as diversas marcas do nível da água nos pilares, assim como os tocos das oliveiras e azinheiras abatidas antes do enchimento da barragem que ressurgem agora nas margens. O baixo nível da água tornou-se ainda mais evidente junto à praia fluvial de Mourão, onde já é necessário atravessar dezenas de metros de areal para chegar à água. Tal como em residências anteriores no Tejo e no Douro, também aqui ouvimos falar de ofícios que desapareceram, sítios e vestígios arqueológicos submergidos, peixes autóctones que são substituídos por espécies exóticas, empreendimentos megalómanos cuja construção fica parada a meio. Mas o que impressiona mais são mesmo as enormes extensões de culturas intensivas a sul da aldeia da Luz ou ao longo da estrada entre Évora e Reguengos, alimentadas pela água da albufeira. É toda uma transformação drástica da paisagem: do mosaico original de montado, mata mediterrânica e galerias ripícolas do Guadiana, para a monotonia do espelho de água do ‘Grande Lago’ e das grandes extensões de linhas regulares de olivais ou amendoais, que se vieram juntar às vinhas que já ocupavam extensas áreas em volta de Reguengos. A variabilidade sazonal que caracterizava o curso das águas do Guadiana, rasgando o seu leito através dos afloramentos xistosos, foi agora substituída por uma massa de águas paradas que alagam a paisagem, parecendo agora mais monótona e árida do que nunca.
Álvaro

* https://diariodoalentejo.pt/pt/noticias/10473/alqueva-armazenamento-tao-baixo-so-em-2004.aspx

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